Metrópole

Dedicar numa exposição sobre imprensa colonial um espaço à imprensa publicada em Portugal, especialmente nos seus centros de poder, e assentar essa escolha na ideia de metrópole, visa perspectivar o país na sua posição de potência colonialista e reconhecê-lo como origem da realidade colonial, centro do poder e das relações por ela criada, lugar onde a hegemonia nas esferas política, cultural, educativa, científica, económica do país dominador se faz sentir e ritma a distância/proximidade, formulação de direitos e atenção às aspirações, enfim, compromete o presente e o futuro dos dominados, e por isso mesmo se afirma como polo de atracção e repulsa dos mesmos. A ideia de metrópole transporta uma ambiguidade pelo seu carácter posicional, que abre caminho a leituras, coevas e presentes, quer como parte, quer como autónoma do mundo colonial, ou pelo menos comportando dimensões/vivências autónomas. Por contraste, colónia define uma situação determinando uma condição, inescapável a não ser por libertação. Sendo genericamente pertinente reflectir sobre a ambiguidade apontada, torna-se inevitável quando se trata de definir o corpus documental, neste caso a imprensa, que constitui a metrópole ou o mundo colonial em Portugal. Sem procurar resolver a possibilidade teórica da passagem da ideia de metrópole posição para uma ideia de metrópole condição, escolhemos títulos claramente dedicados à definição e problematização do colonialismo e do mundo colonial, embora abrindo caminho para questionar a autonomia de outra imprensa, visando fins diversos, da realidade de Portugal metrópole. Escolhemos, periódicos politicamente diversos, iniciados por intelectuais metropolitanos, das colónias, ou de ambos, que matizam e complexificam polarizações mas também apontam rupturas.

Foi com as invasões napoleónicas, forçando em Portugal o embrião da imprensa como espaço de debate político, que a questão colonial se insinuou, num ambiente marcado pela abertura dos portos brasileiros, presença militar inglesa e transferência da Corte para o Brasil. No vintismo, liberta da censura prévia e em ambiente revolucionário, debateu o processo de independência do Brasil, no qual interveio a compatibilização dos princípios liberais com a dominação colonial e as suas implicações na governação e nos direitos das populações. Sem evitar a separação brasileira, o vintismo definiu esses espaços como províncias ultramarinas portuguesas regidas pelos mesmos princípios constitucionais e não sujeitando à origem o reconhecimento dos seus habitantes como cidadãos da nação portuguesa, iguais nos deveres e direitos. No entanto, excluía da cidadania a maioria das populações, escravos e não católicos, ao definir a religião da nação como católica. Seria o Cartismo a apontar uma solução constitucional para essa vasta desigualdade ao definir o catolicismo como religião do reino ao mesmo tempo que permitia a diversidade religiosa entre os cidadãos portugueses. Apesar dessas soluções subsistiriam a percepção da subalternidade, de práticas governativas desiguais, de investimentos desiguais no desenvolvimento local e do não direito à autodeterminação. Questões que seriam crescentemente debatidas na imprensa portuguesa constituindo-a como imprensa metropolitana, ao mesmo tempo que a constituía como imprensa que reflectia sobre Portugal, enquanto projecto político e cultural.

Na década de 1830 surgiram os primeiros periódicos dedicados às questões "ultramarinas", com o jornal oficial Memorial ultramarino e marítimo (1836). Abria-se o caminho difícil de trazer a situação das "províncias ultramarinas" para o debate público. A partir da revista Marinha e colónias (1856-1857) colónia e colonial identificaram títulos que queriam discutir a "vocação colonial" portuguesa, a instituição da "diferença colonial", ou a condição das colónias, apesar de constitucionalmente estas não existirem. Um debate intensificado na década de 80 quando a ideologia colonialista e a "ciência" de administração colonial se formatou para fazer escola, acompanhando a corrida europeia pela partilha dos recursos mundiais. Desde cedo, o movimento republicano esteve ligado ao projecto colonial, embora fortemente associado, nas suas alas mais democráticas, à ideia de que a missão civilizadora comportava a "preparação" para a autonomia e eventual futura constituição de estados independentes e desejavelmente federados. A crescente presença de elementos das elites das colónias, colonos e colonizados, na metrópole para prosseguirem estudos, exercerem cargos políticos ou profissionais, promoveu a sua intervenção na imprensa, designadamente nos periódicos sobre matérias coloniais. Muitos tornaram-se republicanos pelas portas democratizadoras que vislumbravam. O tom do debate manteve-se e aprofundou-se na Primeira República, quando surgem as primeiras tomadas de posição de cariz claramente nacionalista e reclamando uma identidade não portuguesa, e sobreviveu mesmo nos primeiros anos da ditadura militar.

O Acto Colonial e o Estado Novo constitucionalizando o Império como entidade diferente e comandada pela metrópole, e instaurando a censura como princípio constitucional, doravante condicionariam os termos do debate. Com o pós-guerra adensando a discussão internacional do fim do colonialismo europeu, a imprensa metropolitana passou a reflectir, num quadro de estrito controlo do Estado, a forma como essas matérias também em Portugal se colocaram com o Caso de Goa, com os movimentos nacionalistas africanos e, finalmente, com a Guerra Colonial.